Repensando, O mundo moderno precisa de bordéis do amor
Antigamente, as nossas doces prostitutinhas eram chamadas por nomes violentos: rameira, marafona, meretriz, quenga, mundana, zabaneira, bagaxa, rascoeira, bandarra, vagabunda, numa sucessão de nomes brutais que demonstravam o ódio das famílias ao pecado fora dos muros do lar. A prostituta antiga era o oposto simétrico das esposas santas. Hoje, nossas "mulheres da vida" (desfiarei todos os nomes do dicionário) são chamadas de "garotas de programa".
Antes, nossas bacantes, nossas calhandreiras se escondiam pelos cantos, trêmulas de vergonha. Agora, com a permissividade high tech, ser uma corriqueira, uma tipóia de má-vida é uma profissão explícita, mais nobre do que, por exemplo, a profissão de "perua" casada. (Não falo da miséria; falo das moças airadas que vivem na borda das classes altas, nas fimbrias da TV e das revistas).
A hetaira moderna não é uma marginal; ela está no centro do sistema, como os advogados, banqueiros ou dentistas. A mídia e a Internet exibem o seu sucesso. Antes, as extraviadas, as cabriolas precisavam do casamento sagrado que as excluía. A micheteira antiga era uma necessidade fisiológica, uma extensão das famílias, para compensar a tristeza do amor. Hoje, elas não querem casar. Esse papo da "Pretty Woman" já era; elas não querem ser salvas por babacas românticos.
As cróias modernas não aspiram a uma "vida normal", preferem uma gelada aventura pela grana. Muitas são até bem casadas e ajudam os maridos. Conheci uma professora de Ribeirão Preto que ia se prostituir no Rio nas férias do colégio, num famoso lupanar da rua Senador Dantas.
A moderna ambulatriz, a magana contemporânea não se envergonha do trabalho e não tem sentimento de culpa; talvez apenas nojo... de você. Elas te olham de igual para igual, ou melhor, com uma finíssima superioridade. Ela são ativas, despachadas, tomam providências, tirando do homem seu maior prazer, que era o sentimento de superioridade moral em folga passageira _ um habitante do mundo limpo viajando no mundo "sujo". Hoje, o sujo é você.
Havia no velho putanheiro uma vaga crença na recuperação das infelizes decaídas. No ar dos prostíbulos flutuava uma doce tristeza por um amor impossível. Havia também uma repugnante bondade nos fregueses de antanho: "Por que você caiu nessa vida?", perguntavam os hipócritas bordeleiros, antes do ato. "Ah... meu noivo me fez mal, meu pai me expulsou...", gemia a rapariga. "Mas por que você não larga essa vida?", sussurrava o canalha, superior e sinistro, tirando as calças. Por isso é que elas se apaixonavam pelos cafetões boçais, que as espancavam com sinceras e jubilosas bofetadas.
Hoje não se consolam mais mundanas, perras e barregãs. A mulher romântica, sabe-se, é uma invenção do homem. A "perdida" triste também. Nelson Rodrigues me disse: "Nunca vi uma prostituta triste...". Hoje elas são "acompanhantes", "scorts", até "promoters" e outros eufemismos. São malhadas, aerodinâmicas, sadias. Antigamente, vivíamos numa "féerie" de gonorréias. Hoje elas é que temem as tuas doenças. A camisinha te exclui, te faz ridículo com o pênis encapotado como um cachorrinho de suéter. Com a camisinha, você é que é o perigo venéreo; ela, a saúde. Antigamente ia-se ao bordel em busca de ilusões. O homem ia para se sentir um sultão no harém. O putanheiro era o "sujeito" do "rendez-vous". Hoje ele é o objeto. Há um vento gelado nos lupanares atuais, limpos, rápidos e eficientes como uma lanchonete. Há algo de enfermeira ou psicóloga na moderna "cocote". Há algo de McDonald's nos puteiros de hoje.
Não há mais mistérios no corpo: cada posição, músculo, secreção, tudo foi explorado. Não há mais o que comer. Depois do coito, pinta uma grande tristeza. Com a bordelização da vida, precisamos _ isto sim! _ de bordéis utópicos.
Já há na Internet bordéis temáticos. Lá o sujeito pode ser subjugado em masmorras, trepar no paraíso entre santos, gozar em Marte. Mas não basta. Precisamos de bordéis de sonho e de amor. Isso mesmo. Os homens (e mulheres _ por que não?) precisam mesmo é de sentimentos puros. Nem que sejam pagos. O sujeito entra no bordel do amor, como num teatro. Lá haverá mulheres tristes a quem você consolará, mulheres maternais que te consolarão, mulheres malvadas que te rejeitarão com deliciosas crueldades e te perdoarão depois.
Haverá gritos, lágrimas, cenas de ciúme. Nesses bordéis teríamos as delícias do sofrimento moral (nada de masoquismo, couro e ferro), pactos de morte, lágrimas infinitas, rompimentos românticos, alegrias incontidas, tristãos, isoldas, olhos nos olhos, serenatas, sonetos, beijos roubados, teríamos virgens reais ruborizando e se defendendo com recato, teríamos melindres, pejos, inocências, teríamos bordéis de continência, onde tudo seria permitido, menos sexo. Orgasmos (se os houvesse) seriam etéreos, como nuvens, como epifanias. Seriam bordéis platônicos. Tiraram-nos a esperança ingênua, o amor eterno, a metafísica, a moral? Tudo iria para os bordéis. Haveria até prostíbulos éticos, onde intelectuais culpados poderiam se purgar de desvios e oportunismos. Teriam proibições, regras, ideologias, impostas por lindas mulheres severas, castigando-os, vestidas de camisola branca, fantasiadas de "Razão" _com ligas negras, claro...
Haveria bordéis depressivos, bordéis de silêncio, lupanares de bondade, puteiros de piedade, alcouces de amor, prostíbulos de finos sentimentos. Há um insuportável bem-estar na civilização "de mercado"; precisamos de sofrimentos, penitências e repressões; os bordéis do futuro terão algo de spa, algo de retiro espiritual. Boa idéia: acho que vou abrir um prostíbulo ético e, naturalmente, ganhar uma grana preta.
...texto original na Web por aí em algum canto...
Antigamente, as nossas doces prostitutinhas eram chamadas por nomes violentos: rameira, marafona, meretriz, quenga, mundana, zabaneira, bagaxa, rascoeira, bandarra, vagabunda, numa sucessão de nomes brutais que demonstravam o ódio das famílias ao pecado fora dos muros do lar. A prostituta antiga era o oposto simétrico das esposas santas. Hoje, nossas "mulheres da vida" (desfiarei todos os nomes do dicionário) são chamadas de "garotas de programa".
Antes, nossas bacantes, nossas calhandreiras se escondiam pelos cantos, trêmulas de vergonha. Agora, com a permissividade high tech, ser uma corriqueira, uma tipóia de má-vida é uma profissão explícita, mais nobre do que, por exemplo, a profissão de "perua" casada. (Não falo da miséria; falo das moças airadas que vivem na borda das classes altas, nas fimbrias da TV e das revistas).
A hetaira moderna não é uma marginal; ela está no centro do sistema, como os advogados, banqueiros ou dentistas. A mídia e a Internet exibem o seu sucesso. Antes, as extraviadas, as cabriolas precisavam do casamento sagrado que as excluía. A micheteira antiga era uma necessidade fisiológica, uma extensão das famílias, para compensar a tristeza do amor. Hoje, elas não querem casar. Esse papo da "Pretty Woman" já era; elas não querem ser salvas por babacas românticos.
As cróias modernas não aspiram a uma "vida normal", preferem uma gelada aventura pela grana. Muitas são até bem casadas e ajudam os maridos. Conheci uma professora de Ribeirão Preto que ia se prostituir no Rio nas férias do colégio, num famoso lupanar da rua Senador Dantas.
A moderna ambulatriz, a magana contemporânea não se envergonha do trabalho e não tem sentimento de culpa; talvez apenas nojo... de você. Elas te olham de igual para igual, ou melhor, com uma finíssima superioridade. Ela são ativas, despachadas, tomam providências, tirando do homem seu maior prazer, que era o sentimento de superioridade moral em folga passageira _ um habitante do mundo limpo viajando no mundo "sujo". Hoje, o sujo é você.
Havia no velho putanheiro uma vaga crença na recuperação das infelizes decaídas. No ar dos prostíbulos flutuava uma doce tristeza por um amor impossível. Havia também uma repugnante bondade nos fregueses de antanho: "Por que você caiu nessa vida?", perguntavam os hipócritas bordeleiros, antes do ato. "Ah... meu noivo me fez mal, meu pai me expulsou...", gemia a rapariga. "Mas por que você não larga essa vida?", sussurrava o canalha, superior e sinistro, tirando as calças. Por isso é que elas se apaixonavam pelos cafetões boçais, que as espancavam com sinceras e jubilosas bofetadas.
Hoje não se consolam mais mundanas, perras e barregãs. A mulher romântica, sabe-se, é uma invenção do homem. A "perdida" triste também. Nelson Rodrigues me disse: "Nunca vi uma prostituta triste...". Hoje elas são "acompanhantes", "scorts", até "promoters" e outros eufemismos. São malhadas, aerodinâmicas, sadias. Antigamente, vivíamos numa "féerie" de gonorréias. Hoje elas é que temem as tuas doenças. A camisinha te exclui, te faz ridículo com o pênis encapotado como um cachorrinho de suéter. Com a camisinha, você é que é o perigo venéreo; ela, a saúde. Antigamente ia-se ao bordel em busca de ilusões. O homem ia para se sentir um sultão no harém. O putanheiro era o "sujeito" do "rendez-vous". Hoje ele é o objeto. Há um vento gelado nos lupanares atuais, limpos, rápidos e eficientes como uma lanchonete. Há algo de enfermeira ou psicóloga na moderna "cocote". Há algo de McDonald's nos puteiros de hoje.
Não há mais mistérios no corpo: cada posição, músculo, secreção, tudo foi explorado. Não há mais o que comer. Depois do coito, pinta uma grande tristeza. Com a bordelização da vida, precisamos _ isto sim! _ de bordéis utópicos.
Já há na Internet bordéis temáticos. Lá o sujeito pode ser subjugado em masmorras, trepar no paraíso entre santos, gozar em Marte. Mas não basta. Precisamos de bordéis de sonho e de amor. Isso mesmo. Os homens (e mulheres _ por que não?) precisam mesmo é de sentimentos puros. Nem que sejam pagos. O sujeito entra no bordel do amor, como num teatro. Lá haverá mulheres tristes a quem você consolará, mulheres maternais que te consolarão, mulheres malvadas que te rejeitarão com deliciosas crueldades e te perdoarão depois.
Haverá gritos, lágrimas, cenas de ciúme. Nesses bordéis teríamos as delícias do sofrimento moral (nada de masoquismo, couro e ferro), pactos de morte, lágrimas infinitas, rompimentos românticos, alegrias incontidas, tristãos, isoldas, olhos nos olhos, serenatas, sonetos, beijos roubados, teríamos virgens reais ruborizando e se defendendo com recato, teríamos melindres, pejos, inocências, teríamos bordéis de continência, onde tudo seria permitido, menos sexo. Orgasmos (se os houvesse) seriam etéreos, como nuvens, como epifanias. Seriam bordéis platônicos. Tiraram-nos a esperança ingênua, o amor eterno, a metafísica, a moral? Tudo iria para os bordéis. Haveria até prostíbulos éticos, onde intelectuais culpados poderiam se purgar de desvios e oportunismos. Teriam proibições, regras, ideologias, impostas por lindas mulheres severas, castigando-os, vestidas de camisola branca, fantasiadas de "Razão" _com ligas negras, claro...
Haveria bordéis depressivos, bordéis de silêncio, lupanares de bondade, puteiros de piedade, alcouces de amor, prostíbulos de finos sentimentos. Há um insuportável bem-estar na civilização "de mercado"; precisamos de sofrimentos, penitências e repressões; os bordéis do futuro terão algo de spa, algo de retiro espiritual. Boa idéia: acho que vou abrir um prostíbulo ético e, naturalmente, ganhar uma grana preta.
...texto original na Web por aí em algum canto...
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